A pessoa de Jesus
1.
A Encarnação do Verbo
“Ao
chegar a plenitude dos tempos, enviou Deus a seu Filho, nascido de mulher"
(Gal 4,4). Assim se cumpre a
promessa de um Salvador que Deus fez a Adão e Eva ao serem expulsos do Paraíso:
“Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua descendência e a dela; ela
te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar" (Gn 3,15).
Este
versículo do Gênesis é conhecido com o nome de proto-evangelho, pois constitui
o primeiro anúncio da boa- nova da salvação. Tradicionalmente, tem-se
interpretado que a mulher a que se refere é, tanto Eva, em sentido imediato,
como Maria, em sentido pleno; e que a descendência da mulher refere-se tanto à
humanidade como a Cristo.
Desde
então, até o momento em que “o Verbo se fez carne e habitou entre nós" (Jo 1, 14), Deus foi preparando a
humanidade para que pudesse acolher frutuosamente a seu Filho Unigênito.
Porque Jesus se fez homem?
A
Encarnação tem sua origem no amor de Deus pelos homens: “Nisto se manifestou o
amor de Deus para conosco, em que Deus enviou ao mundo o seu Filho único, para
que vivamos por meio Dele" (1Jo 4, 9). A Encarnação é a
demonstração por excelência do Amor de Deus para com os homens, já que nela é o
próprio Deus que se entrega aos homens, fazendo-se participante da natureza
humana, na unidade da pessoa.
Após
a queda de Adão e Eva no paraíso, a Encarnação tem uma finalidade salvadora e
redentora, como professamos no Credo: “por nós homens e para nossa salvação,
desceu dos céus e se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e
se fez homem"[2]. Cristo afirmou de Si mesmo que o Filho do homem veio
para buscar e salvar o que estava perdido" (Lc 19,
19; cf Mt 18,11) e que “Deus não enviou seu
Filho para condenar o mundo, mas que o mundo fosse salvo por Ele" (Jo 3,17).
A
Encarnação não só manifesta o infinito amor de Deus aos homens, sua infinita
misericórdia, sua justiça, seu poder, mas também a coerência do plano divino da
salvação. A profunda sabedoria divina consiste na forma segundo a qual Deus
decidiu salvar o homem, isto é, do modo como convém à natureza, que é
precisamente mediante a Encarnação do Verbo.
Existência de Jesus Cristo
Jesus
Cristo, o Verbo encarnado, “não é nem um mito, nem uma idéia abstrata qualquer.
É um homem que viveu em um contexto concreto e que morreu depois de ter levado
sua própria existência dentro da evolução da história. A investigação histórica
sobre Ele é, pois, uma exigência da fé cristã" [3].
Que
Cristo existiu pertence à doutrina da fé, como também que morreu realmente por
nós e que ressuscitou ao terceiro dia (cf. 1 Co 15, 3-11).
A existência de Jesus é um fato provado pela
ciência histórica, sobre tudo mediante a análise do Novo Testamento, cujo valor
histórico está fora de dúvida. Há outros testemunhos antigos não cristãos,
pagãos e judeus, sobre a existência de Jesus. Precisamente por isto, não são
aceitáveis as posições de quem contrapõe um Jesus histórico ao Jesus da fé e
defendem a hipótese de que quase tudo o que o Novo Testamento diz acerca de
Cristo seria uma interpretação de fé que fizeram os discípulos de Jesus, mas
não sua autêntica figura histórica, que ainda permaneceria oculta para nós.
Estas
posturas, que em muitas ocasiões encerram um forte preconceito contra o
sobrenatural, não levam em conta que a investigação histórica contemporânea
concorda em afirmar que a apresentação que faz o cristianismo primitivo de
Jesus baseia-se em fatos autênticos sucedidos realmente.
DIVINDADE DE JESUS CRISTO
2.
Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro
A
Encarnação é “o mistério da união admirável da natureza divina e da natureza
humana, na única Pessoa do Verbo" (Catecismo,
483). A Encarnação do Filho de Deus “não significa que Jesus Cristo seja em
parte Deus e em parte homem, nem que seja o resultado de uma mistura confusa do
divino com o humano. Ele fez-Se verdadeiro homem, permanecendo verdadeiro Deus.
Jesus Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem." (Catecismo, 464). A divindade
de Jesus Cristo, Verbo eterno de Deus, foi comentada no texto referente à
Santíssima Trindade. Aqui, vamos focar a atenção no que diz respeito à sua
humanidade.
A
Igreja definiu e esclareceu esta verdade de fé durante os primeiros séculos
frente às heresias que a falseavam.
*Heresias:
doutrina ou sistema teológica rejeitado pela Igreja; dado como falso.
Já
no século I, alguns cristãos de origem judaica, os ebionitas, consideraram
Cristo um simples homem, ainda que muito santo.
No século II, surge o adocionismo, que
sustentava ser Jesus Cristo filho adotivo de Deus; Jesus seria apenas um homem
em quem habita a força de Deus; para eles, Deus era uma só pessoa. Esta heresia
foi condenada no ano 190 pelo papa São Victor, pelo Concílio de Antioquia, de
268, pelo Concílio I de Constantinopla e pelo sínodo romano de 382 [4].
*Ário
era um padre, a heresia ariana, ao negar a divindade do Verbo, negava também que
Jesus Cristo fosse Deus. Ario foi condenado pelo Concílio I de Nicéia, no ano
de 325.
Também
atualmente, a Igreja voltou a recordar que Jesus Cristo é o Filho de Deus
subsistente desde a eternidade, que na Encarnação assumiu a natureza humana em
sua única pessoa divina [5].
A
Igreja também enfrentou outros erros que negavam a realidade da natureza humana
de Cristo. Entre esses, encontram-se as heresias que negavam a realidade do
corpo ou da alma de Cristo. Entre as primeiras, encontra-se o docetismo, em
suas diversas variantes, que possui um fundo gnóstico e maniqueu. Alguns de
seus seguidores afirmavam que Cristo teve um corpo celeste, ou que seu corpo
era puramente aparente, ou que apareceu de repente na Judéia, sem ter tido que
nascer ou crescer. Já São João teve que combater este tipo de erros: “muitos
são os sedutores que apareceram no mundo, que não confessam que Jesus veio em
carne" (2 Jo 7; cf. 1 Jo 4, 1-2).
Arrio
e Apolinar de Laodiceia negaram que Cristo tivesse verdadeira alma humana. O
segundo teve particular importância neste campo e sua influência esteve
presente durante vários séculos nas controvérsias cristológicas posteriores. Na
tentativa de defender a unidade de Cristo e sua impecabilidade, Apolinar
sustentou que o Verbo desempenha as funções da alma humana espiritual. Esta
doutrina, porém, supunha a negação da verdadeira humanidade de Cristo,
composta, como em todos os homens, de corpo e alma espiritual (cf. Catecismo,
471). Foi condenado no Concílio I de Constantinopla e no Sínodo Romano de 382
[6].
3.
A união hipostática( Jesus com homem e Deus)
Nos
inícios do século quinto, após as controvérsias precedentes, estava clara a
necessidade de sustentar firmemente a integridade das duas naturezas, divina e
humana, na Pessoa do Verbo; de modo que a unidade pessoal de Cristo começa a
constituir-se no centro de atenções da Cristologia (estuda a natureza de
Cristo) e da soteriologia (doutrina da salvação da humanidade por Jesus Cristo) patrística
*(Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros sete séculos,
elaborada pelos Padres ou Pais da Igreja, os primeiros teóricos —- daí "Patrística"
— e consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do cristianismo e na
sua defesa contra os ataques dos pagãos e contra as heresias.).
Para
este novo aprofundamento contribuíram novas discussões.
A
primeira grande controvérsia teve sua origem em algumas afirmações de Nestório,
patriarca de Constantinopla, que utilizava uma linguagem na qual dava a
entender que em Cristo há dois sujeitos: o sujeito divino e o sujeito humano,
unidos entre si por um vínculo moral, mas não fisicamente. Este erro
cristológico tem sua origem seu rechaço do título de Mãe de Deus,Theotókos, aplicado a Santa
Maria. Maria seria Mãe de Cristo, mas não Mãe de Deus.
Frente
a esta heresia, São Cirilo de Alexandria e o Concilio de Éfeso de 431
recordaram que “a humanidade de Cristo não tem outro sujeito senão a pessoa
divina do Filho de Deus, que a assumiu e a fez sua desde que foi concebida...
Por isso, o Concílio de Éfeso proclamou, no ano 431, que Maria se tornou, com
toda a verdade. Mãe de Deus, por ter concebido humanamente o Filho de Deus em
seu seio" (Catecismo,
466;cf. DS 250 e 251).
Uns
anos mais tarde, surgiu a heresia monofisita. Esta heresia tem seus
antecedentes no apolinarismo e em uma má compreensão da doutrina e da linguagem
empregada por São Cirilo, por parte de Eutiques, ancião arquimandrita de um
mosteiro de Constantinopla. Eutiques afirmava, entre outras coisas, que Cristo
é uma Pessoa que subsiste em uma só natureza, pois a natureza humana teria sido
absorvida pela divina. Este erro foi condenado pelo Papa São Leão Magno, no seu Tomus
ad Flavium [7],
autêntica jóia da teologia latina, e pelo Concílio ecumênico de Calcedônia, do
ano 451, ponto de referência obrigatório para a Cristologia. Assim ensina: “há
que confessar a um só e mesmo Filho e Senhor nosso Jesus Cristo: perfeito na
divindade e perfeito na humanidade" [8], e acrescenta que a união das duas
naturezas é “sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação" [9].
Monofisismo (do grego: monos - "único, singular" e physis - "natureza") é o ponto de
vista cristológico que
defende que, depois da união do divino e do humano na encarnação histórica, Jesus Cristo, como encarnação
do Filho ou Verbo (Logos) de Deus, teria apenas uma única
"natureza", a divina, e não uma síntese de ambas. O monofisismo é
contraposto pelo diofisismo (ou
"diafisismo"), que defende que Jesus preservou em si as duas
naturezas
Eutiques foi um monge de Constantinopla, que fundamentou
a heresia do monofisismo. Eutiques negava
que Cristo, após a encarnação, tinha duas naturezas perfeitas
O Concílio de Calcedónia (português europeu) ou Calcedônia (português brasileiro) foi um concílio ecumênico que se realizou de 8 de outubro à 1 de novembro de 451 em Calcedonia, uma cidade da Bitínia, na Ásia Menor, frente a Constantinopla. Foi o quarto
dos primeiros sete
concílios ecumênicos da
história do cristianismo, onde foi
repudiada a doutrina de Eutiques relativa
ao monofisismo e
declarada a dualidade humana e divina de Jesus, a segunda pessoa da Santíssima Trindade
O nestorianismo é uma doutrina cristológica proposta
por Nestório, Patriarca de Constantinopla (428–431).
A doutrina, que foi formada durante os
estudos de Nestório sob Teodoro de Mopsuéstia na Escola de Antioquia, enfatiza a desunião entre as naturezas humana e
divina de Jesus.
A
doutrina calcedonense foi confirmada e esclarecida pelo II Concílio de
Constantinopla do ano 553, que oferece uma interpretação autêntica do Concílio
anterior. Após enfatizar várias vezes a unidade de Cristo [10], afirma que a
união das duas naturezas de Cristo tem lugar segundo a hipóstasis.
(Nos concílios ecumênicos, a terminologia do termo foi clarificada e
padronizada para que a fórmula "Três hipóstases em uma ousia (essência)" fosse aceita como a epítome da
doutrina ortodoxa sobre a Trindade: de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são
três diferentes hipóstases em uma única divindade. A palavra também é utilizada
para se referir à divindade de Cristo, na chamada união hipostática de suas naturezas - divina e humana - em uma única
hipóstase).
Superando
assim a equivocidade da formula ciriliana que falava da unidade segundo a
“fisis"(natureza). Nesta linha, o Concílio de Constantinopla indicou
também o sentido em que havia de entender-se a conhecida fórmula ciriliana de
“uma natureza do Verbo de Deus encarnada" [12], frase que São Cirilo
pensava ser de Santo Atanásio, mas que na realidade tratava-se de uma
falsificação apolinarista.
Nestas
definições conciliares, que tinham como finalidade esclarecer alguns erros
concretos e não expor o mistério de Cristo em sua totalidade, os Padres
conciliares utilizaram a linguagem de seu tempo. Da mesma forma que Nicéia
empregou o termo consubstancial, Calcedônia utilizou termos como natureza,
pessoa, hipóstasis etc., segundo o significado habitual que tinham na linguagem
comum, e na teologia de sua época. Isto não significa, como afirmaram alguns,
que a mensagem evangélica se helenizara (tornar-se semelhante aos gregos).
Ao
contrário, quem se mostrou rigidamente helenizantes foram precisamente os que
propunham as doutrinas heréticas, como Arrio ou Nestório, que não souberam ver
as limitações da linguagem filosófica de seu tempo, frente ao mistério de Deus
e de Cristo.
4.
A Humanidade Santíssima de Jesus Cristo
Como Cristo se relaciona com a Trindade Santa:
“Na
união misteriosa da Encarnação, «a natureza humana foi assumida, não absorvida»
(GS 22,2)" (Catecismo,
470). Por isso, a Igreja tem ensinado a “plena realidade da alma humana, com as
suas operações de inteligência e vontade, e do corpo humano de Cristo. Mas,
paralelamente, a mesma Igreja teve de lembrar repetidamente que a natureza
humana de Cristo pertence, como própria, à pessoa divina do Filho de Deus que a
assumiu. Tudo o que Ele fez e faz nela, depende de «um da Trindade». Portanto,
o Filho de Deus comunica à sua humanidade o seu próprio modo de existir pessoal
na Santíssima Trindade. E assim, tanto na sua alma como no seu corpo, Cristo
exprime humanamente os costumes divinos da Trindade (cf. Jo 14, 9-12)" (Catecismo, 470).
OBS: O catecismo é, depois da Bíblia, o livro mais importante da Igreja
Católica. Nele você encontra o conhecimento seguro da fé da Igreja Católica
acumulado nestes 2.000 anos- e numa formulação precisa e reconhecida pela
Igreja.
Inteligência e sabedoria de Cristo:
A
alma humana de Cristo está dotada de um verdadeiro conhecimento humano. A
doutrina católica tem ensinado tradicionalmente que Cristo, enquanto homem,
possuía um conhecimento adquirido, uma ciência infusa e a ciência beata própria
dos bem-aventurados no céu.
A
ciência adquirida de Cristo não podia ser, por si, ilimitada: “por isso que o
Filho de Deus, fazendo-Se homem, pôde aceitar «crescer em sabedoria, estatura e
graça» (Lc 2, 52) e também teve de Se informar sobre o que, na condição humana,
deve aprender-se de modo experimental (cf. Mc 6, 38; 8, 26; Jo 11, 34)" (Catecismo, 472).
Cristo,
em quem repousa a plenitude do Espírito Santo com seus dons (cf. Is 11, 1-3), possuiu também a ciência
infusa, isto é, aquele conhecimento que não se adquire diretamente pelo
trabalho da razão, mas é infundido diretamente por Deus na inteligência humana.
Com efeito, “O Filho também mostrava, no seu conhecimento humano, a
clarividência divina que tinha dos pensamentos secretos do coração dos homens
(cf. Mc 2,
8; Jo 2,
25; 6, 61" (Catecismo,
473).
Cristo
possuía também a ciência própria dos beatos: “Pela sua união com a Sabedoria
divina na pessoa do Verbo Encarnado, o conhecimento humano de Cristo gozava, em
plenitude, da ciência dos desígnios eternos que tinha vindo revelar (cf. Mc 8, 31; 9, 31; 10, 33-34; 14,
18-20.26-30» (Catecismo,
474).
Por
tudo isto, deve-se afirmar que Cristo, enquanto homem, é infalível: admitir
nele o erro seria admiti-lo no Verbo, única pessoa existente em Cristo. No que
diz respeito a uma eventual ignorância propriamente dita, deve-se ter presente
que “O que neste domínio Ele reconhece ignorar (cf. Mc 13, 32) declara, noutro ponto, não ter
a missão de revelá-lo (cf. Atos 1, 7)» (Catecismo, 474). Entende-se que Cristo fosse
humanamente consciente de ser o Verbo e de sua missão salvífica [13].
Por
outro lado, a teologia católica, ao pensar que Cristo possuía, já na terra, a
visão imediata de Deus, sempre negou a existência em Cristo da virtude da fé
[14].
Frente
às heresias monoenergeta e monotelita que, em lógica continuidade com o monofisismo
precedente, afirmavam que em Cristo há uma só operação ou uma só vontade, a
Igreja confessou, no III Concílio ecumênico de Constantinopla, do ano 681, que
Cristo possui duas vontades e duas operações naturais, divinas e humanas, não
opostas, mas cooperantes, de forma que o Verbo feito carne, em sua obediência
ao Pai, quis humanamente tudo aquilo que decidiu divinamente com o Pai e o
Espírito Santo, para nossa salvação (cf. DS 556-559). A vontade humana de
Cristo “segue a sua vontade divina, sem fazer resistência nem oposição em
relação a ela, antes estando subordinada a essa vontade onipotente" (DS
556)" (Catecismo 475). Trata-se de uma questão fundamental,
pois está diretamente relacionada com o ser de Cristo e com nossa salvação. São
Máximo, o Confessor, distinguiu-se por este esforço doutrinal de esclarecimento
e se serviu com grande eficácia da conhecida passagem da oração de Jesus no
Horto, em que aparece o acordo da vontade humana de Cristo com a vontade do Pai
(cf. Mt 26,
39).
Consequência
da dualidade de naturezas é também a dualidade de operações. Em Cristo, há duas
operações, as divinas, procedentes de sua natureza divina, e as humanas, que
procedem da natureza humana. Fala-se também de operações teândricas para
referir-se àquelas nas quais a operação humana opera como instrumento da
divina: é o caso dos milagres realizados por Cristo.
O
realismo da Encarnação do Verbo manifestou-se também na última grande
controvérsia cristológica da época patrística: a disputa sobre as imagens. O
costume de representar a Cristo, em afrescos, ícones, baixos relevos etc., é
antiquíssima e existem testemunhos que remontam ao menos até o século segundo.
A crise iconoclasta ocorreu em Constantinopla nos inícios do século VIII e teve
sua origem em uma decisão do Imperador. Anteriormente, já tinham aparecido
teólogos que haviam se mostrado ao longo dos séculos partidários ou contrários
ao uso das imagens, mas ambas as tendências tinham coexistido pacificamente.
Aqueles que se opunham costumavam acrescentar que Deus não tem limites e não
pode, portanto, encerrar-se dentro de umas linhas, de uns traços, não pode ser
circunscrito. Porém, como assinalou São João Damasceno, foi a própria
Encarnação que circunscreveu o Verbo, incircunscrível. “Uma vez que o Verbo Se
fez carne, assumindo uma verdadeira natureza humana, o corpo de Cristo era
circunscrito (...).Portanto, o rosto humano de Jesus pode ser «pintado» (Ga 3, 2)" (Catecismo,476). No II
Concílio ecumênico de Nicéia, do ano 787, “a Igreja reconheceu como legítimo
que ele fosse representado em santas imagens" (Catecismo, 476). Com efeito, “as
particularidades individuais do corpo de Cristo expressam a pessoa divina do
Filho de Deus. Ele fez seus os traços de seu próprio corpo humano até o ponto
que, pintados em uma imagem sagrada, podem ser venerados porque o crente que
venera sua imagem, venera a pessoa representada nela" [15].
Alma de Cristo:
A
alma de Cristo, ao não ser divina por essência, mas humana, foi aperfeiçoada,
como as almas dos demais homens, mediante a graça habitual, que é “um dom
habitual, uma disposição estável e sobrenatural, que aperfeiçoa a alma, mesmo
para torná-la capaz de viver com Deus e de agir por seu amor" (Catecismo, 2000).
Cristo
é santo, como anunciou o arcanjo Gabriel a Santa Maria na Anunciação: Lc 1, 35. A humanidade de Cristo é
radicalmente santa, fonte e paradigma da santidade de todos os homens. Pela
Encarnação, a natureza humana de Cristo foi elevada à maior união com a
divindade – com a Pessoa do Verbo – a que pode ser elevada alguma criatura. Do
ponto de vista da humanidade do Senhor, a união hipostática é o maior dom que
jamais se tenha podido receber, e costuma ser conhecida com o nome de graça de
união. Pela graça habitual, a alma de Cristo foi divinizada com essa
transformação que eleva a natureza e as operações da alma ao plano da vida
íntima de Deus, proporcionando às suas operações sobrenaturais uma
co-naturalidade que, de outro modo, não teria. Sua plenitude de graça implica
também na existência das virtudes infusas e dos dons do Espírito Santo. Desta
plenitude de graça de Cristo, “recebemos todos, graça sobre graça" (Jo 1, 16). A graça e os dons foram
outorgados a Cristo não só em atenção à sua dignidade de Filho, mas também em
atenção à sua missão de novo Adão e Cabeça da Igreja. Por isso se fala de uma
graça capital em Cristo que não é uma graça distinta da graça pessoal do
Senhor, mas é um aspecto dessa mesma graça que acentua sua ação santificadora
sobre os membros da Igreja. A Igreja, com efeito, “é o Corpo de Cristo" (Catecismo, 805), um corpo
“do qual Cristo é a Cabeça: vive d'Ele, n'Ele e por Ele; Ele vive com ela e
nela" (Catecismo,
807).
O
Coração do Verbo encarnado. “Jesus conheceu-nos e amou-nos, a todos e a cada
um, durante a sua vida, a sua agonia e a sua paixão, entregando-Se por cada um
de nós: «O Filho de Deus amou-me e entregou-Se por mim» (Gl 2, 20). Amou-nos a
todos com um coração humano" (Catecismo,
478). Por este motivo, o Sagrado Coração de Jesus é o símbolo por excelência do
amor com que ama continuamente ao eterno Pai e a todos os homens (cf. ibidem).
José
Antonio Riestra